terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sincronicidade

Adoro tango. Sempre adorei.

Em 93 fomos a Buenos Aires.Um programa em especial ficou em nossa memória.
Um salão de baile no domingo à noite. Quadrado. Pista no meio, emoldurada por mesas e cadeiras.
A música, tango, claro, mas entremeado de 30 segundos de um trecho de techno a cada 3 faixas.
O público - homens e mulheres, solteiros, viúvos - em torno dos 80.
Trajes: homens com terno ou blazer. Alguns até de gravata. Mulheres de vestido, cabelos longos, às vezes preso de um lado com uma fivela ou uma flor. Magras.

Estavam lá para encontros. Não um, muitos, pois a cada parada para o techno a pista se esvaziava para de novo se encher com novos pares, assim que o tango recomeçava. E o que víamos era como um carrossel, com os pares todos se movendo quase como um bloco em círculo em torno do quadrado. Não tivemos muita coragem de experimentar os poucos passos recém-mal-aprendidos. Bem tentamos, mas paramos depois de esbarrar em alguns casais e perceber que muita graça não achavam.

Foram várias viagens para lá depois desta, mas nunca mais encontramos o tal salão. Imaginava ter sido fechado e todas as tentativas de encontrar algo parecido terminavam em indicações de shows para turistas, aos quais, obviamente, não íamos.

Em nossa mais recente viagem, agora, 17 anos depois, descobrimos a existência de vários destes salões de baile  pela cidade. Milongas, se chamam. Não o estilo musical, mas os bailes mesmo. Espalham-se pelos bairros mais distantes e alguns mais centrais. Escolhemos um central, no porão de um Centro de Cultura Armênia. Desapontamento. Eram aulas de tango, público variado, não era uma genuína Milonga. Mas tínhamos anotado o endereço de outro nas proximidades e fomos a pé. Ao chegar, a surpresa: era o salão que havíamos ido em 93. E o ritual continuava o mesmo. Difícil identificar como os pares se formavam. Pelo cruzar de olhares, provavelmente, pois ao recomeçar um novo bloco de tango, a pista era cruzada por vários homens que iam ao outro lado do salão buscar seu par. E o que será que conversavam a cada parada da música? O fato é que todos conversavam. E a brincadeira é coisa séria: uma moça jovem ao nosso lado lá estava para colocar em prática os passos que aprendera em suas aulas numa academia. Ao ser convidada a dançar, depois de muita espera, foi dispensada após uma única música, sem graça pelo olhar mal  humorado de seu parceiro, que não estava lá para dançar com iniciantes.

Retorno da viagem e recebo de um amigo uma mensagem com 2 tangos anexados, em resposta a uma história que enviei, que mencionava um número qualquer, nada a ver com tango, mas que o fez lembrar do tango "A Media Luz", que começa com " Corrientes, 348...". 
Seguem-se duas semanas e recebo o texto abaixo, de uma lista de poesia que participo. Maravilhoso.  Não posso deixar de repassar.

Com tudo isto, só posso pensar em sincronicidade, e que tenho que estudar um pouco de Jung para entender melhor o que se passa. E aprender, de verdade, os passos do tango, claro.



O que faz de um tango um tango

MARIO SABINO
O QUE FAZ de um tango um tango não são as letras lamuriosas. O que faz de um tango um tango não é o Gardel morto que canta cada vez melhor. O que faz de um tango um tango não são os passos ensaiados na tradição. O que faz de um tango um tango não é a orquestra com o ar cansado de quem tudo já viu. O que faz de um tango um tango não são as pernas altas da dançarina, calçadas em meias pretas. Não é seu cabelo preso ora com flor, ora com fita. O que faz de um tango um tango não é o chapéu antigo do dançarino. Não são os seus sapatos lustrosos. Não é o seu terno de risca-de-giz. Não é o seu lenço dobrado no bolso da lapela. O que faz de um tango um tango não é Buenos Aires. Não é qualquer geo-grafia. O tango não está no mundo das latitudes, das longitudes, das cartografias, dos guias turísticos.

O que faz de um tango um tango é a atração e a repulsa. É a tentação e o medo. É o afeto e a raiva. O que faz de um tango um tango é ela seguindo na mesma direção dele, e ele seguindo na mesma direção dela, até que um tenta fugir e o outro tenta impedir, numa alternância de fugas que se querem e não se querem. O que faz de um tango um tango é a dor de um e de outro transformada em coreografia simétrica. O que faz de um tango um tango é o encontro que se desencontra e se reencontra. O que faz de um tango um tango são os volteios do amor dos poemas clássicos, das canções dos trovadores. Os volteios do amor que bebe no prazer e na fúria. Os volteios do amor que se amorna e logo torna a incandescer. O que faz de um tango um tango é o amor que, na iminência de um final que se prenuncia infeliz, acha o final feliz. Porque nunca em um tango que é tango os dançarinos terminam separados, descolados, deslocados.

O que faz de um tango um tango sou eu dentro de você na carne e você dentro de mim na alma, depois do último acorde, depois do último aplauso, depois da última lágrima, depois do último gozo. O que faz de um tango um tango é a música que se quer silêncio. O silêncio dos amantes.

sábado, 25 de setembro de 2010

Ser mãe/pai não é para iniciantes - II

Num sábado de manhã, caminhávamos perto de casa: eu, o Ci, as meninas.

Nani, acho que uns seis anos, contou:
"- Sabe, pai, eu vi o casamento de vocês!
- É mesmo?
- É. Eu tava lá em cima - no céu - olhando.
E escolhi ser filha de você e da mamãe.
E escolhi ser irmã da Iaiá.
Só não escolhi ser a segunda filha."

Seremos culpados por isto a vida toda.
E isto é só o começo...

sábado, 18 de setembro de 2010

Pedido

Li outro dia.
Entrevista de Clarice Lispector com Pablo Neruda. No meio das perguntas, um pedido:
"- Diga alguma coisa que me surpreenda.
- 748."
Surpreendente. A resposta...e o pedido. 
Exceto para quem vê poesia nos números.
De qualquer forma, adorei!