sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Adolescências

Esta semana fiz 43 anos.
Só mais uma data, mais uns tantos dias na vida, mais um tanto de questões, sei lá.
De qualquer forma, entre os presentes ganhei uma edição linda - Cosac Naify - de Alice no País das Maravilhas. Sei, está na moda, veio o filme, novas edições diferentes, etc. Mas há tempos não relia Alice, que para mim é uma história já antiga. Já tinha, tenho, algumas edições em inglês e português.
Minha história começou com uma carta que recebi de minha mãe quando fiz 15 anos. Voltei ao meu baú de fotos e memórias e resgatei a carta, que reproduzia uma crônica de Paulo Mendes Campos. Não sei se ainda, nos meus 43, sou pueril e ingênua como aos 15. Muito possivelmente, o que não é de todo mal.  Talvez o início dos 40 sejam uma nova adolescência para esta outra metade da vida (metade?). Fato é que a crônica de Paulo Mendes Campos ainda faz muito sentido, assim como o livro.
É longa, mas repasso porque vale à pena.

"Para Maria da Graça,
Agora que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.
Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
Escuta: se não descobrires um sentido na loucura, acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca. Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?" Não te espantes quando o  mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou para pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta, o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
A sozinhez (esquece esta palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada, e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial e temos a presunção petulante de esperar dela grandes consequências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. "Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo".
Maria, há uma sabedoria social, ou de bolso; nem toda sabedoria tem que ser grave. A gente vive errando em relação ao próximo, e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon!"
Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostarias de gatos se fosses eu?"
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! Mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiverdes de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser  primeira a chegar. Se chegares sempre aonde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: "Minha história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida. Foge, polida, mas energicamente dos homens e das mulheres que suspiram e dizem : "Minha vida daria um romance!"
Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta esta parábola perfeita: "Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem, passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor.
Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para humor mais ou menos barato, que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com  uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida. É feio, é modesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

Enfim...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Desenhos...

Ao declinar um convite para uma sessão de desenho com modelo vivo, um amigo publicitário, fazedor de frases, citou Millor brincando: "lembre-se, viver é desenhar sem borracha".
Levei a sério. Acho que isto até descobri em meus (quase!) 43 anos.
Mas desenhar a vida continua sendo um desafio, além de saber que materiais utilizar, como, quando.
Dúvidas.
Sigo ensaiando.

sábado, 16 de outubro de 2010

Ser mãe/pai não é para iniciantes - III

No meio de reunião, importante, no trabalho.
Celular toca, de casa. Paro, saio da sala para saber se tudo está ok.

- "Mãe!
- Oi filha! Mamãe está no meio de uma reunião e não pode falar agora. É alguma coisa muito importante?
- É.
- Fala!
- É que eu não sei se eu vou para a escola de calça comprida ou de saia."

Que pergunta, a minha! O que pode ser mais importante que isto?