quinta-feira, 30 de junho de 2011

Uma casa à venda

Outro dia, numa crônica no jornal, Antônio Prata escreveu sobre a nostalgia, um sentimento que estaria fora de moda atualmente, mas fundamental para dar "cor e sabor" à vida, um olhar para o passado que, ainda que revisitado - e até por isto, eu diria -, é a matéria de que se faz o presente.

No filme "Meia Noite em Paris", de Woody Allen, novamente a nostalgia em cartaz. Aliás, era o que dava uma pitada de graça à vida banal de um roteirista americano e o que lhe abriu um outro horizonte.

Apoiada nestas visões, desisti de querer me desculpar por meus viéses nostálgicos. Fora o cuidado de não borrar o futuro com uma perspectiva negativa, me trapaceio com as  várias formas em que pode vir vestida a nostalgia: romantismo, idealizações, saudosismo, recriações, até mesmo lamentações, esta sim a  forma mais perigosa.

Neste meio tempo entre a crônica e o filme, recebo uma notícia que puxou mais um fio nostálgico da memória. De uma história feita de pedaços que me foram contados, outros que vivi, outros que imaginei.

Uma família italiana que começou com um bisavô imigrante do norte da Itália em fins do século XIX. Foi parar num sítio, interior de SP, rodeado de italianos com histórias similares. Casou, montou sua vida.
No sítio foi construída uma casa, pelo próprio bisavô e os homens da família, dizem.
A casa era rodeada por um cercado de bambu. Janelas grandes, verdes mais para o claro.
Uma escada dava na varanda frente à porta de entrada. Um corredor central  levava à sala de jantar - mesa para umas 10 pessoas,  os adultos.

Do corredor e da sala saiam as portas para quartos e, em alguns deles, outras portas internas davam para mais um ou dois quartos. Um labirinto para as crianças - netos.
Nos quartos, camas Patente embaixo das quais ficavam pinicos para usar de noite, afinal não havia um banheiro com vaso sanitário dentro da casa. O vaso sanitário ficava numa casinha, só para ele, fora do cercado. Um espaço coberto de 1.50 m x 1,50 m, portinha de madeira, um buraco no chão no fundo do qual passava água corrente que lavava a sujeira para o riacho mais abaixo.

A casa era alta, tinha na frente um porão.
Contaram-me que era lá que engarrafavam o vinho comprado em tonéis e passavam as garrafas por um buraco no teto que  dava para um alçapão que se abria no chão de madeira do escritório.
Um copo de vinho todos os dias no almoço. Minha avó tomou até sua morte com 89 anos.
Os vários filhos do Nôno foram se casando e uma parte das novas famílias ficou morando lá mesmo. Muitas crianças.
Plantação de café, os homens iam cuidar. As mulheres se dividiam entre as tarefas da casa - uma na cozinha, outra nas roupas, outra com as crianças, algo assim.
Não era uma vida fácil nem tranquila. Proteções, discriminações, brigas por espaço, enfim...
Com o tempo as famílias  foram se mudando para outras casas construídas no sítio ou ao seu redor.

Meu avô, o primogênito, ficou com a casa e daí minhas memórias dos dias primeiro do ano, quando passávamos o "Ano Bom" em grande almoço em família.
Mudaram-se para a cidade eu tinha uns 10 anos. As terras arrendadas, a casa fechada foi sendo abandonada. Nunca trouxe boas lembranças para as crianças que lá nasceram e cresceram - meu pai e tios.
Hoje está a venda, junto com as terras ao seu redor. Melhor dizendo, as terras estão à venda e, por acaso, tem lá uma casa abandonada.
Sinto pela casa tão cheia de histórias.
Mas, enfim, vende-se uma casa, não se vende suas histórias.


Em tempo, saí do filme de Woody Allen, "Meia Noite em Paris", com vontade de caminhar pelas ruas da cidade em dia de chuva...

domingo, 26 de junho de 2011

Homens e Deuses

Se existe Deus ou Deuses, não sei.
Mas o filme Homens e Deuses vale à pena.
Uma história verídica: oito monges católicos, franceses, servindo a uma aldeia muçulmana na Argélia,
se vêem ameaçados por um grupo guerrilheiro islâmico em 1996.
Ficar, peito aberto,
aceitar a proteção do exército,
abandonar o país.
Questões humanas se colocam para os oito.
As razões dos monges para ficar são fortes,
parte da própria compaixão pelo outro,
assim como as razões dos guerrilheiros islâmicos para os ataques.
Para cada um seus deuses.
Mas para todos a transcendência maior - a humanidade.
O que nos une é o que nos torna humanos
Também o que nos separa.

Homens e Deuses,
na verdade,
são Homens e Homens.

Uma vez li de um escritor e poeta indiano,
Rabindranath Tagore:
"A liberdade do outro estende a minha ao infinito".
É o que me faz mais sentido.

domingo, 19 de junho de 2011

Raivas

Conversas de jantar são interessantes.
Final de dia, processamentos,
uns tantos ficam para os sonhos e pesadelos.
Melhor ter cuidado.

Pessoinha de 8 colocou a questão:
"Mãe, tem uma coisa que acontece, que não sei,
mas fico sempre com raiva de alguém,
muita raiva e que demora prá passar."

Eu sei, já sabia.
"Pois é, raiva a gente tem, faz mal à pessoa,
mas faz mais mal a quem tem.
É ruim sentir raiva, não é?
E também faz muito mal para sua saúde, para o seu corpo,
porque você fica tensa, estressada e faz mal para os órgãos..."

Ui! Resposta tipo auto-ajuda que, de fato, pouco serve.

Mas da de 10 vieram uns olhos arregalados.
Em geral sente muito menos raivas.
"Mas dá pra morrer de raiva?"

"Indiretamente sim, fisicamente, o sistema imunológico..."
A conversa foi indo por estes caminhos sem graça.
Mas terminou com risadas das piores caras de raiva que cada uma sabia fazer.
Rimos da raiva.
Melhor assim.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Um manto

Nesse frio pensei num manto de Bispo do Rosário.
Aquele cheio de bordados, costuras, colagens,
do que passa pela cabeça e do que perturba,
que serve para esconder,
ou proteger,
ou mostrar.
Quero um prá mim.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Rir é o melhor remédio

Já ouvi uma vez, dirigido especialmente a mim,
a citação de uma música:
"cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é..."
Atualmente, estou mais para
"ria mais de si mesma..."
Não é o melhor,
é o único remédio,
acho.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

E se...

Uma história de tempos já ouvida,
é mais ou menos assim:
Um homem viajando em uma estrada,
de terra, interior, isolada,
sem sinalização, sem sinal de vida a 360 graus

(alguém sabe como colocar o sinal de graus num teclado de Mac?)

Cansado, ainda falta um pouco para chegar.
Gasolina acaba.
Num esforço enxerga uma luzinha no quase horizonte
E é uma luzinha sim, de uma casa, ao que parece.
Terá que caminhar até lá para pedir ajuda,
uns 2 kilômetros talvez.

"Preciso de uma ajuda,
tenho que caminhar ate lá,
não tem jeito.
Aquela casa está com a luz acesa,
certamente tem alguém por lá acordado.
E morando assim isolado, deve ter um carro,
e vou poder pegar emprestado alguns litros de gasolina.
Vou precisar de uma mangueira e de uma garrafa.
Pode ser que esteja sozinho
e até goste que uma pessoa chegue para conversar.
E me ofereça uma xícara de chá pra tomar antes de me levar de carona de volta.

Uns 500 m já tinha caminhado.

"...mas pode ser que não.
Que o morador esteja acompanhado,
Ou mesmo que esteja sozinho,
que afinal optou por morar nesta casa tão isolada,
porque não quer ter contato com nenhuma gente.
E eu vou chegar pedindo gasolina, uma mangueira, uma garrafa usada.
A esta hora.
Com certeza vai ficar irritado..."

Nesta já havia caminhado pouco mais de 1 km

"... e se estiver sozinho,
e queira mesmo é ficar sozinho,
vou chegar numa hora que não é para ninguém chegar,
afinal são 1 da manhã,
a hora é imprópria mesmo,
e vou ser odiado por chegar,
e bater na porta.

Mais um kilômetro e os passos vão diminuindo,
Cansado.
O pensamento acelerando...

"Para a pessoa daquela casa não interessa o meu problema,
e afinal, a pessoa vai pensar que o problema não e dele ou dela,
a esta hora da noite cada um cuida das suas coisas.
e não interessa se só o que eu estou precisando é de
uma mangueira e de uma garrafa e de um pouco de gasolina.
Eu que me vire,
ande mais uns kilômetros para a próxima casa,
e vai abrir a porta já me xingando,
e vai bater a porta na minha cara...".

A esta altura já chegando e ofegante e irritado,
e bufando, bate na porta.
Um homem abre, tranquilo,
do tipo "pois não...".
Mas não deu nem prá perceber.

"E quer saber?
Você que fique com sua mangueira
e sua garrafa,
e a gasolina,
e  %$^%&*^%^%*#@$%*)($#
que eu nem quero mais saber,
e também não preciso de nada!!".

De fato, à 1h da manhã,
a noite é cheia de
"e se...".