sexta-feira, 27 de maio de 2011

Minha avó faz 96 anos

Minha avó faz 96 anos.
Não sei se vou saber contar até 96,
mas sei contar história, algumas.

Ela e meu avô sempre moraram no interior, nós na capital. Eu tinha uns 5 anos quando minha irmã menor ia nascer e eles vieram para ficar em casa com a gente.
Eram vários dias de internação na maternidade e ela nos levava todos os dias, com meu avô (não me lembro de um dia na vida em que eles não estivessem juntos) para visitar meus pais e a Rita, recém-nascida. Na volta, parávamos em uma lojinha para comer pão de queijo - uma iguaria na época, já que não se encontrava em qualquer esquina. Era como comer bolo de chocolate, brigadeiro, sorvete, tudo de uma vez só.

Eles vinham sempre nos visitar em São Paulo. E ela chegava em casa invariavelmente com um saco de biscoito de polvilho pela metade, que tratávamos de terminar. Não existia viagem de carro sem uma paradinha para comprar o tal saco de biscoito de polvilho e vir comendo.

Nestas visitas, eu e minha irmã éramos desalojadas de nosso quarto para ser utilizado por eles. Eu acordava bem cedo e ia ficar na cama com ela. O quarto à meia luz, ficávamos embaixo das cobertas conversando, esperando o prato de frutas cortadas que meu avô já acordado trazia. Infalível. Sentávamos na cama para comer juntas e eu emprestava um pouco de sua majestade naqueles momentos.

Foi numa manhã destas que combinamos que ela teria um cachorro na casa dela, que eu conheceria quando fosse visitá-la. Escolhemos juntas o nome: Pingo. Adorei quando cheguei na casa dela e, como havíamos combinado, lá estava o Pingo: um cão pequinês, raça que nem se vê mais atualmente, que pulava e latia como o diabo! E olha que eu nunca gostei de cachorro, mas esta lembrança é sempre uma delícia.

Foi graças a ela que sobrevivi feliz a uma viagem de carro de um mês pela costa brasileira, entre São Paulo e Natal. Fomos em 2 carros: um com meus pais, ela e meu avô, eu e meu irmão mais velho; outro de um casal amigo com 3 filhos de nossa idade. Tinha 8 anos e aquela era a oportunidade de ouro para comer todos os sanduiches e tomar Coca-Cola que não podia na rotina em casa. Ela me defendia em todas as minhas brigas com meus pais para não experimentar os pratos típicos de cada cidade e,  graças a ela, consegui comer "sanduiche americano" - aquele com presunto, queijo, ovo, alface e tomate - praticamente todos os dias da viagem. Só vim a gostar de Bobó de Camarão e coisas afins muito mais tarde, o que não me causou nenhum trauma nem desvio de paladar. E hoje eu não consigo não brigar com minhas filhas pelas mesmas razões que meus pais. Papel de pais, papel de avós, acho...

Aliás, minha avó sempre foi minha defensora incondicional nas brigas, manhas e chatices que eu provocava e que não eram poucas. E destas lembrancinhas corriqueiras esta é a mais importante de todas, porque ela me fazia ter certeza de que eu não era aquela menina ranzinza, de "gênio ruim", pelo menos naquela época...

E eu sou apenas uma de seus 16 netos com mais outras tantas histórias e ela, com toda sua personalidade, certamente foi 16 avós.
Alguns chamam brava,
mas na verdade firme,
nas posições,
nas idéias,
nos valores,
nas defesas,
não importa em quê,
nos seus anos todos.

Minha avó faz 96 anos,
e até hoje só olha prá frente.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Possibilidades

Uma calma, observadora, centrada.
Outra em briga por espaço, referências nos outros,  identidade.
Precisão na percepção dos sentimentos e das dores.
Auto-percepção misturada a desejos, impulsos, demandas.
Dois olhos bem grandes me olhando firme logo que nasceu.
Entender o mundo.
Uma boca bem aberta ao me olhar logo que nasceu.
Devorar o mundo.
Lindas no mais amplo sentido.
Opostas como os pais insistem em ver.
Projeções, lógico.
Não deveriam ser congeladas.
Afinal, já contou quantas mandalas se formam num caleidoscópio?

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O mundo está melhor??

Tenho dificuldade em assistir a filmes violentos, mas acho Tarantino brilhante. Em seu último filme - Bastardos Inglórios - a violência e o sarcasmo são tão caricaturais que nos deixam atônitos, perdidos em meio a uma trama em que se misturam tensão, terror e ironia. O filme é extremamente original ao lidar com um tema já tão decantado, mas sempre delicado, como o do nazismo.
Sua sequência final me deixou impactada em 2009 e ainda hoje: toda a cúpula do Terceiro Reich, incluindo Hitler, reunida em um pequeno cinema francês para assistir a um filme sem roteiro - tiros e metralhadoras matando judeus. A audiência mediocrizada, fora de si, gritando e empolgando-se com a matança como num Coliseu torcendo pela morte numa luta entre gladiadores. Enquanto isso, as portas  eram trancadas por fora para que não pudessem escapar quando a sala fosse incendiada numa ação bem planejada por caçadores de nazistas e uma sobrevivente judia.
Certamente, nenhum de nós teria objeções à morte de Hitler (aliás, que outro diretor teve a coragem de matar Hitler? Talvez algum, não me recordo). Mas até por isto, esta mesma cena que assistíamos replicou-se em cena real na sala do cinema em que eu estava, com cores muito mais claras, naturalmente. Uma onda de tensão e ânimo crescentes à medida em que a ação se desenrolava e que resultou até em palmas quando, ao final,  Hitler e a cúpula nazista morreram queimados.
Fiquei assustada comigo mesma. Acirramento de ânimos, vingança, não por mera coincidência me lembrei deste filme nestes 2 últimos dias.
"O mundo está melhor com a morte de Bin Laden?" Difícil. A Guerra contra o Terror e o Terrorismo são parte da mesma história, se auto alimentam e continuarão aí, por todas as questões políticas, interesses financeiros e enquanto nossos ânimos também o sustentarem.