sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Uma história de Natal


Então chegamos nesta época do ano quando emails e cartões e fotos e artigos e mensagens no facebook chegam com revisões, poesias, votos de mudanças, valores e crenças reforçadas, metáforas de mudança e esperança que o Natal e novo ano provocam.
 
A história de Natal por aqui chegou antes.
Em outubro, quando uma das meninas ganhou da avó um pinheirinho, destes mesmo de Natal.
Era um pedido que já vinha do outro ano. Ter um pinheirinho de verdade, não estes vendidos em pequenos vasos que logo secam, às vezes nem chegam ao dia 25. Vêm com vida curta.
E nos pareceu mesmo que um pinheirinho comprado em outubro, fora do mercado aquecido de dezembro, das plantas verdes e vermelhas, seria um representante mais resistente da espécie nativa. Raízes mais fortes, vida mais longa, crescimento sustentado.
Certo que deveria ter sido plantado num canto de nosso jardim.
 
Não foi o que aconteceu.
Ficou no vaso pequeno, foi colocado no sol, aguado em meio à seca do período.
Mas em início de dezembro foi dando sinais de que não chegaria até dia 25.
Esforço redobrado para fazê-lo sobreviver, entre opiniões de que ainda valeria à pena tentar ou de que já não adiantava.
Lá foi mais sol, mais água.
Ninguém especialista em tratamento de pinheirinhos. Troca de vaso e terra.
No entanto, o processo continuou até que ficasse completamente seco.
Dez dias antes do 25.
Ainda assim, formato intacto e os galhos e folhas firmes.
Ficou por lá, sem um destino definido, se seria logo substituído por um verdinho vendido nas esquinas.
 
Ocorre que também nesta época, fim das aulas, muitas trocas de presentes entre amigos.
Dos materiais comprados para pintar camiseta para amigo secreto, uma lata de spray verde claro.
De alguém veio a idéia: pintar o pinheirinho seco com o spray verde claro.
Foi feito e ficou incrível! Daqueles com cara de jovem, que ainda não tinha adquirido a cor mais escura, perfeito representante da espécie.
Verdade mesmo!
Foi colocado na sala, cheio de enfeites de natal e cumpriu seu papel, mesmo com sua história de vida meio torta.
Mas uma história nossa de natal.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Vergonhas

De algumas coisas.
Fiquei com vergonha de não gostar de pequi em Goiás velho 
com um amigo goiano ao meu lado.
E mais ainda de não conseguir comer a pamonha que vi fazer 
a muitas mãos num quintal também  goiano,
com gordura de porco.
Fiquei com vergonha de não conseguir comer 
o Pato no Tucupi ao lado de um amigo belemense.
Pedi desculpas.
E de falar que não gosto de cachorros e de animais
domésticos, estes de estimação, 
para um sujeito que toma o seu por filho.
E mil vergonhas 
de não-ter-pensado-nisto-antes,
com coisa óbvias.
E daquela máxima,
a tradicional,
de falar antes de pensar.
E de não fazer bem contas.
Achei que fosse perder as vergonhas com a idade.
Assim dizem.
E é verdade.
Rio muito mais de mim
e até aproveito para exagerar
minha falta de jeito
ou os não gostos
em alguns momentos.
Mas ainda tenho muitas vergonhas.
Pode ser também sinal 
um sinal da idade.
Um sinal trocado.
Me consola assim.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Baldes de gelo


Eu joguei um balde de gelo.
Tá bem, só mais uma entre milhares de pessoas.
Mas meu balde não estava cheio de gelo,
nem vazio.
Começou quando busquei na escola
e chegou animada por ter sido desafiada por amigos
e poder desafiar
mais amigos.
Entrar na corrente.
Mas joguei o balde de gelo nela antes mesmo dela brincar.
Você viu o vídeo do Rafinha, balde vazio falando da falta de água?
Você sabe porque começou esta brincadeira?
Sabe que tem que fazer uma doação?
Mas...mas...mãe!
Tudo bem, jogue o balde em algum lugar em que a água 
possa ser reaproveitada
e não esquece de fazer a doação.
Ainda completei mais tarde:
melhor ainda, vamos doar para o Médicos Sem Fronteira.

No mínimo uma idiota,
fui,
sou.
Fui desafiada, 
como sou todos-os-dias,
e continuo aceitando
e desafiando de volta.
Sei o que tem dentro de meus baldes
e continuo desperdiçando 
como água fria.
Não quero mais.
Brincadeira mais sem graça.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Me dá um autógrafo?


Nunca vi sentido em pedir um autógrafo.
Já tive sim uma coleção deles. Em papeizinhos brancos, mal recortados à mão, quadrados. Autógrafos de misses: nome escrito com a própria caligrafia. Infantis, desenhados, florzinhas, etc. De todos os estados do país. Foram colados em papéis A4 branco, desalinhados, com uma organização estética qualquer, em uma pasta preta escolar destas com plásticos. Completei como um álbum de figurinhas. Surgiu ao acaso em uma viagem que fiz com a família para conhecer Brasília, acho que com uns 10 anos. Ficamos no famoso Hotel Nacional onde justamente estavam hospedadas as misses eleitas em seus estados e que participariam do concurso nacional para Miss Brasil. Uma sensação, inusitado. Daí sair pelo saguão pedindo os autógrafos para cada uma até completar o mapa do país.
Desde então, nunca vi sentido em pedir autógrafos. Ter escrito à mão, na primeira página de um livro, meu nome, uma frase qualquer - "com amor" - e uma assinatura e data. Dois estranhos, nenhuma relação entre si. "Ah, encontrei o autor em uma palestra! E...?" Mais um leitor desconhecido.
Fato é que assisti mesmo a uma palestra de um autor, uma conversa pública melhor dizendo.  Não sabia nem bem o que esperar da conversa além do que poderia ler no livro, algumas fofocas de sua vida, talvez digressões sobre o ato de escrever. Ouvi, me envolvi, me apaixonei. Vivia um lugar e uma história tão dura e cruel que só pensava em ser cuidadoso e correto a cada passo. Não causar mais danos a nada e a ninguém daquele lugar. Difícil abrir mão de si próprio, escrever foi chave para sair da armadilha. Contos, disse, eram inofensivos. No papel não machucariam nem causariam danos, mesmo que fossem cruéis ou violentos. Experimentava, assim, as possibilidades de ser ele mesmo. 
Acontece que me causou algum dano. Não tinha lido o livro, só ouvido sua história, suas motivações e me causou um dano. E senti que daquela vez queria muito um autógrafo. Tinha uma vontade e uma história para contar para justificar o pedido. Ao final  comprei o livro, mas a fila grande, eu mais um leitor, não esperei, desisti. 
Coincidência, na viagem marcada para dali a alguns dias me dei conta de que haveria uma mesa de conversa com o autor naquela cidade. Livro na mala. Ouvi várias das histórias novamente. Confirmei o dano que houvera. Daquela vez não haveria uma sessão de autógrafo  nem fila. Hesitei muito, ao final fui à frente e à força com meu livro. Contei rápido minha história, sem graça, e pedi o autógrafo. Meu  nome soletrado, um desenho doce, meio  infantil, uma frase pouco legível, a assinatura ao final. Decifrei: "To Andréa, a big hug from the future". Me desculpe, acho que não decifrei.
Na mesma noite, na casa de uma amiga, outra história. Recém numa viagem encontrara um amigo que tinha um livro guardado para ela. Comprara em um sebo na Internet e veio com um autógrafo. Coincidência, mais uma, dirigia-se ao pai dela falecido há poucos anos, acadêmico conhecido. Era uma escrita pessoal que até a mencionava. Por conta do autógrafo, o livro que fora doado junto com as tantas coisas do pai após sua morte, passeou pelo país e retornou ao  lugar de origem. Um autógrafo, mas com sentido, com dedicatória, de verdade.
O meu álbum, a pasta preta com as assinaturas das misses que à época chamei de autógrafos, foram parar em um lugar qualquer, sem importância. Certamente sebo nenhum.
E o meu livro autografado, não sei que rumo tomará.