domingo, 19 de dezembro de 2010

Intimidades

Viajei bastante de avião, a trabalho, neste último ano. A ponto de querer sugerir à equipe de bordo que faça um sorteio entre passageiros como eu para uma chamada oral na hora da apresentação dos procedimentos de segurança, com direito às demonstrações e tudo: como cairão as máscaras em caso de despressurização, como colocá-la e apertar o elástico, onde ficam as portas de emergência, etc. Combinaria bem com o tom pessoal e "íntimo"que os pilotos têm tentado passar em suas mensagens aos passageiros. No último vôo tivemos que bater palmas para "a mais nova comissária de bordo, que passou com louvor na fase de treinamento". Numa outra ocasião ouvi o piloto inspirado e emotivo homenagear sua "mamãe" em um vôo no dia das mães.
Melhor mesmo foi a história contada por uma amiga venezuelana. Um vôo interno, de uma pequena  companhia nacional daquele país. Assim que levantou vôo a comissária de bordo anunciou que começaria a distribuir as cartelas para o "bingo a bordo". E mais: o prêmio para o passageiro vencedor seria...uma outra passagem na mesma companhia! O que se pode esperar de uma companhia que promove um bingo a bordo? Neste caso, talvez melhor ir por terra mesmo.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Fazendo água

Numa soneca rápida à tarde, sonhei que estava num mar calmo e veio uma onda muito grande quebrando em tubo. Uns bons metros de altura. Firmei o pé no chão, areia, a onda passando, mergulhei. Demorou um bom tempo. Tive fôlego para esperar. Passou.
Na mesma noite sonhei com um Tsunami. Chegando, me levando. Fui com a água, vendo muitas coisas sendo carregadas. Muita, muita água. Alagamento sem fim, dilúvio. Também não sei até onde aquela água me levou.
Lembrei-me do jogo de batalha naval. O adversário não acerta um encouraçado, ou um submarino e grito água. Não me pegou, não acertou minha esquadra!
Água em sonho. Tudo tão explícito que dá para desconfiar. Mais ainda em época de final de ano.
Ano muito movimentado, bom, mas ao final cansa e é bom finalizar e começar um novo.
2010 já está fazendo água.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Ser mãe/pai não é para iniciantes - V

Uma conversa no carro.

"Mãe, sabe, eu não gosto de saliva. A gente tem que ficar engolindo o tempo todo!"
E no farol seguinte, depois de pensar mais um pouco:
"...e neste mundo tem umas coisas muito estranhas: remela, caca de nariz..."

Deu vontade de falar que, enquanto o que se tiver que engolir for saliva e a estranheza do mundo for remela e caca de nariz, está tudo sob controle!

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Neuro neuras

Neurociências está entre os temas da minha cabe..ceira. Razões são várias. É um dos temas de ponta das ciências hoje, mas esta não é nem de longe minha motivação. É verdade que faz bem uns 3 livros atrás que não leio os que ainda estão na espera neste tema. Mas lendo um escrito em um blog de uma amiga, retomo. Questões da memória, da plasticidade do cérebro, das conexões de neurônios que seguem quase infinitas possibilidades de caminhos. Não faço palavras cruzadas, mas tento comer com a mão esquerda. Tento também usar o mouse com esta mão, bem mais difícil e irritante, perco a paciência. Faço novos trajetos, mesmo com maior trânsito, sempre que lembro...Planejo aprender novas linguas, pelo menos até meus 80, quando der tempo. E outras tantas. Somos outros a cada minuto. Cada minuto nos transforma, dizem, pelo menos internamente, no cérebro. Isto já deveria ser suficiente, mas não é. Tento entender como funciona esta coisa toda - memória, mente, cérebro, conexões -, mas ainda assim nada me salva das questões existenciais, nem me explica onde é que estas questões, que insistem em incomodar,  ficam presas na gente...


Em tempo, o blog de minha amiga é http://anasuzina.wordpress.com/

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A vida, no final das contas...

Seção Falecimentos, caderno Metrópolis do Estadão.

Além dos anúncios de falecimento usuais, nos últimos tempos há também um pequeno box destacado com uma foto e uma breve biografia de um falecido, escrita, certamente, por um familiar.

Das biografias:
"Advogado criminalista atendia de graça  Comprava na Rua 25 de Março presentes para distribuir a crianças no Natal... "
"Em Fernando de Noronha na 2a Guerra  Serviu o exército em plena 2a guerra. Gostava de viajar de navio...um de seus últimos destinos foi justamente Fernando de Noronha."
"Delegado foi jogador de futebol e cronista Começou a jogar futebol profissionalmente aos 17 anos...Só deixou as redações quando passou a ocupar uma vaga de delegado de polícia...conquistou uma cadeira na Academia de Ciências, Letras e Artes dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo."
"Um esportista intelectual" ...era um atleta...estava indo para o Japão quando teve um problema no joelho que o impediu de viajar - mas não de lutar...era também um intelectual...Os Miseráveis (Victor Hugo) leu mais de 4 vezes.
"Declamadora, tornou-se radialista" Começou a ter aulas de declamação aos 23 anos...começou a ganhar destaque dentro da comunidade (armênia). ...também era forte defensora da causa armênia. A partir de 1958 criou o programa de rádio...nele fazia um boletim das novidades na comunidade.
"Um ano mais novo do que na certidão" Morreu aos 83 anos. Na prática, porém, era mais novo, tinha 82. A confusão aconteceu quando seu pai foi registrá-lo, bem depois do nascimento.Tinha um grande viveiro, em que mantinha especialmente canários. Muito religioso, gostava de acompanhar a missa pela TV e por radinho de pilha, seu companheiro inseparável

Não leio obituários como meu pai, mas este seu costume me levou a reparar nesta seção do jornal e as biografias dos box me chamaram a atenção. Me fez lembrar como, no final das contas, a vida é diversa e  simples. E está bem assim.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Rio

Houve um tempo em que, na volta ao Brasil, os aviões faziam primeiro uma escala no Rio antes de chegar a São Paulo. E aterrisávamos ao som do Samba do Avião, de Tom Jobim...
"Minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro..."
Emocionante, era.

Houve um tempo em que meus pais faziam viagens de final de semana ao Rio para atualizarem-se das últimas peças de teatro e apresentações culturais que demorariam a chegar a São Paulo.

Muito antes disso, houve tempos em que o Rio podia ser declamado sem culpas pela sua malandragem, pelo samba, por Noel, por Cartola, por Garrincha, pela Bossa Nova, pelas escolas de samba, pelas...

Não sei onde se perdeu todo este romantismo. Mas a bem dizer, nem sei se alguma vez foi além de romantismo mesmo. Sempre houve povo nos morros e uma zona sul bronzeada, bebendo nos bares à beira mar, cantando as belezas do povo e do lugar, criando esta imagem da cidade maravilhosa. Mas nada diferente também de outras "zonas sul" de muitas outras cidades brasileiras que, no entanto, nunca tiveram o mesmo charme a cantar.

Mas ao som dos estampidos nas capas dos jornais, que também já vêm de muitos anos, das versões de Tropa de Elite, dos bloqueios na Linha Vermelha, etc, enfim, fica difícil, alienante, quase imoral manter esta visão.

Peço licença. Quereria continuar com o romantismo. Algum. Um novo, talvez, com algum pé na realidade, se é que romantismo e realidade podem conversar. Mas, com todas as suas belezas e contradições, torço pelo Rio, pelo lugar, pelo seu povo, pela sua cultura, por uma renovação de sua história em outras bases - inclusivas - mas sem perder todo o seu charme.

Uma paulistana, da gema.
Minha alma canta...vejo o Rio de Janeiro...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ótimo ou bom

Um casal amigo, em torno dos 50 anos. Conheceram-se em uma festa.
Muita conversa, identidade, atração, número do telefone. Ele que pediu.
Ia ligar no dia seguinte. Passou.
Mais outro passou. Uma semana, 10 dias se passaram.
Por fim, ela descobriu seu número e ligou. Se encontraram, namoraram, casaram.
Tempos depois ela veio a descobrir a razão da demora na ligação: ele estava iniciando uma dieta, esperando ansiosamente emagrecer para poder encontrá-la...
Para mim, a melhor tradução daquela expressão: "o ótimo é inimigo do bom".
Arqui-inimigo, neste caso!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Avós

Tratava-se de um espelho grande, bisotado, moldura dourada toda trabalhada. Dependurado em uma parede branca na casa da tia Zizinha, uma tia-avó, irmã mais velha de minha avó Maninha (aliás, de onde vêm tantos diminutivos nos nomes de nossas avós?).

Fato é que aquele espelho tinha sido de Mamãe Joaquina, como minha avó chamava sua própria avó que a criou até os 10 anos. Hoje, ainda viva e com 95 anos, ela no entanto nascera com uma saúde frágil. Quinta filha, não podia ter a devida atenção da mãe, tendo sido acolhida por Mamãe Joaquina.

Não sei porque, nem como, mas aos seus 80 e tantos aquele espelho na casa de tia Zizinha lhe saltou aos olhos. Como poderia estar lá se, por direito, deveria estar com ela que tivera a maior proximidade, o maior vínculo com Mamãe Joaquina?

Iniciou um processo com tia Zizinha, para convencê-la a lhe passar o espelho. Não foi difícil. O grande problema para a tia não era o espelho, a herança, a lembrança. Era a parede. Não poderia tirar o espelho e deixar vazia aquela parede toda branca. Ela pintava pratos, tinha pratos pendurados pela casa toda, mas para aquela parede não pareceu ser a solução.

Sem problemas. Minha avó resolveu então pintar um quadro - medidas pré-definidas - para trocar pelo espelho. Assim fez e levou o espelho para sua casa, enfim.

Muito pouco tempo depois, em uma limpeza, o espelho se quebrou. Mas não houve grandes dramas a respeito. Já se tinha cumprido o ciclo e, afinal, a memória continuou intacta.

Nunca vi este tal quadro que ela pintou, e ele já se perdeu na distribuição dos objetos quando tia Zizinha morreu. Mas fico pensando se não deveria tê-lo resgatado, pendurando-o em uma parede branca na minha casa, criando um novo ciclo para uma história que começou com a avó da minha avó.
Afinal, o que pode ser mais especial que a lembrança de nossas avós?

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Ser mãe/pai não é para iniciantes - IV

"Sabe, mãe, eu não acredito mais em Coelhinho da Páscoa e Papai Noel. É tudo invenção dos adultos para enganarem as crianças..."
Gelei ao ouvir isto de minha filha na mesa do café da manhã. Lá se foi a magia desta primeira fase da infância, pensei já com saudades.
"...mas, sobre a Fadinha do Dente eu ainda tenho dúvida!"
Ufa, passou por pouco! Ganhei mais um tempo extra.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Adolescências

Esta semana fiz 43 anos.
Só mais uma data, mais uns tantos dias na vida, mais um tanto de questões, sei lá.
De qualquer forma, entre os presentes ganhei uma edição linda - Cosac Naify - de Alice no País das Maravilhas. Sei, está na moda, veio o filme, novas edições diferentes, etc. Mas há tempos não relia Alice, que para mim é uma história já antiga. Já tinha, tenho, algumas edições em inglês e português.
Minha história começou com uma carta que recebi de minha mãe quando fiz 15 anos. Voltei ao meu baú de fotos e memórias e resgatei a carta, que reproduzia uma crônica de Paulo Mendes Campos. Não sei se ainda, nos meus 43, sou pueril e ingênua como aos 15. Muito possivelmente, o que não é de todo mal.  Talvez o início dos 40 sejam uma nova adolescência para esta outra metade da vida (metade?). Fato é que a crônica de Paulo Mendes Campos ainda faz muito sentido, assim como o livro.
É longa, mas repasso porque vale à pena.

"Para Maria da Graça,
Agora que chegaste à idade avançada de 15 anos, Maria da Graça, eu te dou este livro: Alice no País das Maravilhas.
Este livro é doido, Maria. Isto é: o sentido dele está em ti.
Escuta: se não descobrires um sentido na loucura, acabarás louca. Aprende, pois, logo de saída para a grande vida, a ler este livro como um simples manual do sentido evidente de todas as coisas, inclusive as loucas. Aprende isso a teu modo, pois te dou apenas umas poucas chaves entre milhares que abrem as portas da realidade.
A realidade, Maria, é louca. Nem o Papa, ninguém no mundo, pode responder sem pestanejar à pergunta que Alice faz à gatinha: "Fala a verdade, Dinah, já comeste um morcego?" Não te espantes quando o  mundo amanhecer irreconhecível. Para melhor ou para pior, isso acontece muitas vezes por ano. "Quem sou eu no mundo?" Essa indagação perplexa é o lugar-comum de cada história de gente. Quantas vezes mais decifrares essa charada, tão entranhada em ti mesma como os teus ossos, mais forte ficarás. Não importa qual seja a resposta, o importante é dar ou inventar uma resposta. Ainda que seja mentira.
A sozinhez (esquece esta palavra que inventei agora sem querer) é inevitável. Foi o que Alice falou no fundo do poço: "Estou tão cansada de estar sozinha!" O importante é que ela conseguiu sair de lá abrindo a porta. A porta do poço! Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada, e vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.
Somos todos tão bobos, Maria. Praticamos uma ação trivial e temos a presunção petulante de esperar dela grandes consequências. Quando Alice comeu o bolo e não cresceu de tamanho, ficou no maior dos espantos. "Apesar de ser isso o que acontece, geralmente, às pessoas que comem bolo".
Maria, há uma sabedoria social, ou de bolso; nem toda sabedoria tem que ser grave. A gente vive errando em relação ao próximo, e o jeito é pedir desculpas sete vezes por dia: "Oh, I beg your pardon!"
Pois viver é falar de corda em casa de enforcado. Por isso te digo, para tua sabedoria de bolso: se gostas de gato, experimenta o ponto de vista do rato. Foi o que o rato perguntou à Alice: "Gostarias de gatos se fosses eu?"
Os homens vivem apostando corrida, Maria. Nos escritórios, nos negócios, na política nacional e internacional, nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura, até amigos, até irmãos, até marido e mulher, até namorados, todos vivem apostando corrida. São competições tão confusas, tão cheias de truques, tão desnecessárias, tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes, por caminhos tão escondidos, que quando os atletas chegam exaustos a um ponto, costumam perguntar: "A corrida terminou! Mas quem ganhou?" É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida se a gente não irá saber quem venceu. Se tiverdes de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser  primeira a chegar. Se chegares sempre aonde quiseres, ganhaste.
Disse o ratinho: "Minha história é longa e triste!" Ouvirás isso milhares de vezes. Como ouvirás a terrível variante: "Minha vida daria um romance". Ora, como todas as vidas vividas até o fim são longas e tristes, e como todas as vidas dariam romances, pois o romance é só o jeito de contar uma vida. Foge, polida, mas energicamente dos homens e das mulheres que suspiram e dizem : "Minha vida daria um romance!"
Sobretudo dos homens. Uns chatos irremediáveis, Maria.
Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.
E escuta esta parábola perfeita: "Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem, passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor.
Toda pessoa deve ter três caixas para guardar humor: uma caixa grande para humor mais ou menos barato, que a gente gasta na rua com os outros; uma caixa média para humor que a gente precisa ter quando está sozinho, para perdoares a ti mesma, para rires de ti mesma; por fim uma caixinha preciosa, muito escondida, para as grandes ocasiões. Chamo de grandes ocasiões os momentos perigosos em que estamos cheios de dor ou de vaidade, em que sofremos a tentação de achar que fracassamos ou triunfamos, em que nos sentimos umas drogas ou muito bacanas. Cuidado, Maria, com as grandes ocasiões.
Por fim, mais uma palavra de bolso: às vezes uma pessoa se abandona de tal forma ao sofrimento, com  uma tal complacência, que tem medo de não poder sair de lá. A dor também tem o seu feitiço, e este se vira contra o enfeitiçado. Por isso Alice, depois de ter chorado um lago, pensava: "Agora serei castigada, afogando-me em minhas próprias lágrimas".
Conclusão: a própria dor deve ter a sua medida. É feio, é modesto, é vão, é perigoso ultrapassar a fronteira de nossa dor, Maria da Graça.

Enfim...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Desenhos...

Ao declinar um convite para uma sessão de desenho com modelo vivo, um amigo publicitário, fazedor de frases, citou Millor brincando: "lembre-se, viver é desenhar sem borracha".
Levei a sério. Acho que isto até descobri em meus (quase!) 43 anos.
Mas desenhar a vida continua sendo um desafio, além de saber que materiais utilizar, como, quando.
Dúvidas.
Sigo ensaiando.

sábado, 16 de outubro de 2010

Ser mãe/pai não é para iniciantes - III

No meio de reunião, importante, no trabalho.
Celular toca, de casa. Paro, saio da sala para saber se tudo está ok.

- "Mãe!
- Oi filha! Mamãe está no meio de uma reunião e não pode falar agora. É alguma coisa muito importante?
- É.
- Fala!
- É que eu não sei se eu vou para a escola de calça comprida ou de saia."

Que pergunta, a minha! O que pode ser mais importante que isto?

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sincronicidade

Adoro tango. Sempre adorei.

Em 93 fomos a Buenos Aires.Um programa em especial ficou em nossa memória.
Um salão de baile no domingo à noite. Quadrado. Pista no meio, emoldurada por mesas e cadeiras.
A música, tango, claro, mas entremeado de 30 segundos de um trecho de techno a cada 3 faixas.
O público - homens e mulheres, solteiros, viúvos - em torno dos 80.
Trajes: homens com terno ou blazer. Alguns até de gravata. Mulheres de vestido, cabelos longos, às vezes preso de um lado com uma fivela ou uma flor. Magras.

Estavam lá para encontros. Não um, muitos, pois a cada parada para o techno a pista se esvaziava para de novo se encher com novos pares, assim que o tango recomeçava. E o que víamos era como um carrossel, com os pares todos se movendo quase como um bloco em círculo em torno do quadrado. Não tivemos muita coragem de experimentar os poucos passos recém-mal-aprendidos. Bem tentamos, mas paramos depois de esbarrar em alguns casais e perceber que muita graça não achavam.

Foram várias viagens para lá depois desta, mas nunca mais encontramos o tal salão. Imaginava ter sido fechado e todas as tentativas de encontrar algo parecido terminavam em indicações de shows para turistas, aos quais, obviamente, não íamos.

Em nossa mais recente viagem, agora, 17 anos depois, descobrimos a existência de vários destes salões de baile  pela cidade. Milongas, se chamam. Não o estilo musical, mas os bailes mesmo. Espalham-se pelos bairros mais distantes e alguns mais centrais. Escolhemos um central, no porão de um Centro de Cultura Armênia. Desapontamento. Eram aulas de tango, público variado, não era uma genuína Milonga. Mas tínhamos anotado o endereço de outro nas proximidades e fomos a pé. Ao chegar, a surpresa: era o salão que havíamos ido em 93. E o ritual continuava o mesmo. Difícil identificar como os pares se formavam. Pelo cruzar de olhares, provavelmente, pois ao recomeçar um novo bloco de tango, a pista era cruzada por vários homens que iam ao outro lado do salão buscar seu par. E o que será que conversavam a cada parada da música? O fato é que todos conversavam. E a brincadeira é coisa séria: uma moça jovem ao nosso lado lá estava para colocar em prática os passos que aprendera em suas aulas numa academia. Ao ser convidada a dançar, depois de muita espera, foi dispensada após uma única música, sem graça pelo olhar mal  humorado de seu parceiro, que não estava lá para dançar com iniciantes.

Retorno da viagem e recebo de um amigo uma mensagem com 2 tangos anexados, em resposta a uma história que enviei, que mencionava um número qualquer, nada a ver com tango, mas que o fez lembrar do tango "A Media Luz", que começa com " Corrientes, 348...". 
Seguem-se duas semanas e recebo o texto abaixo, de uma lista de poesia que participo. Maravilhoso.  Não posso deixar de repassar.

Com tudo isto, só posso pensar em sincronicidade, e que tenho que estudar um pouco de Jung para entender melhor o que se passa. E aprender, de verdade, os passos do tango, claro.



O que faz de um tango um tango

MARIO SABINO
O QUE FAZ de um tango um tango não são as letras lamuriosas. O que faz de um tango um tango não é o Gardel morto que canta cada vez melhor. O que faz de um tango um tango não são os passos ensaiados na tradição. O que faz de um tango um tango não é a orquestra com o ar cansado de quem tudo já viu. O que faz de um tango um tango não são as pernas altas da dançarina, calçadas em meias pretas. Não é seu cabelo preso ora com flor, ora com fita. O que faz de um tango um tango não é o chapéu antigo do dançarino. Não são os seus sapatos lustrosos. Não é o seu terno de risca-de-giz. Não é o seu lenço dobrado no bolso da lapela. O que faz de um tango um tango não é Buenos Aires. Não é qualquer geo-grafia. O tango não está no mundo das latitudes, das longitudes, das cartografias, dos guias turísticos.

O que faz de um tango um tango é a atração e a repulsa. É a tentação e o medo. É o afeto e a raiva. O que faz de um tango um tango é ela seguindo na mesma direção dele, e ele seguindo na mesma direção dela, até que um tenta fugir e o outro tenta impedir, numa alternância de fugas que se querem e não se querem. O que faz de um tango um tango é a dor de um e de outro transformada em coreografia simétrica. O que faz de um tango um tango é o encontro que se desencontra e se reencontra. O que faz de um tango um tango são os volteios do amor dos poemas clássicos, das canções dos trovadores. Os volteios do amor que bebe no prazer e na fúria. Os volteios do amor que se amorna e logo torna a incandescer. O que faz de um tango um tango é o amor que, na iminência de um final que se prenuncia infeliz, acha o final feliz. Porque nunca em um tango que é tango os dançarinos terminam separados, descolados, deslocados.

O que faz de um tango um tango sou eu dentro de você na carne e você dentro de mim na alma, depois do último acorde, depois do último aplauso, depois da última lágrima, depois do último gozo. O que faz de um tango um tango é a música que se quer silêncio. O silêncio dos amantes.

sábado, 25 de setembro de 2010

Ser mãe/pai não é para iniciantes - II

Num sábado de manhã, caminhávamos perto de casa: eu, o Ci, as meninas.

Nani, acho que uns seis anos, contou:
"- Sabe, pai, eu vi o casamento de vocês!
- É mesmo?
- É. Eu tava lá em cima - no céu - olhando.
E escolhi ser filha de você e da mamãe.
E escolhi ser irmã da Iaiá.
Só não escolhi ser a segunda filha."

Seremos culpados por isto a vida toda.
E isto é só o começo...

sábado, 18 de setembro de 2010

Pedido

Li outro dia.
Entrevista de Clarice Lispector com Pablo Neruda. No meio das perguntas, um pedido:
"- Diga alguma coisa que me surpreenda.
- 748."
Surpreendente. A resposta...e o pedido. 
Exceto para quem vê poesia nos números.
De qualquer forma, adorei!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Nostalgia

Fui assistir "Uma noite em 67".
Festival dos festivais: "Domingo no Parque", "Roda Viva", "Alegria, Alegria", "Ponteio". De matar!  Uma delícia.
Cantei e ri o filme todo.
Já estava ensaiando uma nostalgia de um dia que não vivi, quando Chico, Caetano e Gil, cada qual em seu depoimento, declararam nenhum saudosismo. Não olham prá trás.
Apanhei feio!

sábado, 14 de agosto de 2010

Ser mãe/pai não é para iniciantes

Ser rebelde desde pequena é assim: rejeita de cara o próprio nome. Odeia!
Só se pode chamá-la pelo apelido. 
Até descobrir que o apelido também quem deu foram os pais...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Aponta prá onde?

Já faz tempo. Dia de festa de família em casa. Em meio à movimentação, eu na cozinha lavando uns utensílios, dentre os quais uma faca, destas grandes, afiadas, de cozinha. Ao colocar para secar – “coloca a ponta para baixo, pode machucar alguém!”, me disse meu sogro. “Não, não, de jeito nenhum! Vai quebrar a ponta, estragar a faca!” me disse meu pai. Olhei para os dois lados. Ri. Não me lembro bem, mas acho que deixei a faca deitada no escorredor. Mas a dúvida permanece até hoje...

terça-feira, 27 de julho de 2010

Força estranha

Nelson Motta entrevistando Roberto Carlos e Caetano em um programa na TV.
A certa altura, falavam de músicas que um fez para o outro, as histórias envolvidas. Roberto com Caracóis dos Seus Cabelos, Caetano com Força Estranha. Nesta última o ponto alto da conversa. No refrão, “ por isto uma força, me leva a cantar. Por isto esta força estranha...”, deixado assim com reticências por Caetano, Roberto pediu para acrescentar “no ar” ao cantar. Ponto final na frase. Sorriso compreensivo de Caetano – “lógico que sim!”. Nada mais Roberto Carlos.
Quisera ser menos Roberto, mais Caetano. Ou não...

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Das minhas Copas

Escrito em 02/07/2010, um pouco antes do último jogo do Brasil

Futebol? Nunca soube bem do que se tratava. Meu lado sempre foi mais com o carnaval, o  samba. Mas as Copas sempre foram um tema a cada edição. E claro, as minhas lembranças não são das históricas e grandiosas sempre declamadas. Elas são dos álbuns de figurinha, países, bandeiras, trocas quando pequena. Me lembro de alguns álbuns até hoje. De assistir jogos na escola com os amigos da classe. De eleger os jogadores mais “bonitos" na adolescência – se não me engano ganhavam as pernas do Éder. De se rebelar e passar os momentos de jogo andando pela cidade vazia enquanto o país todo torcia. Da imagem da comemoração de um gol do Bebeto, que correu para as câmaras com gestos de embalar um bebê, em homenagem ao filho que acabara de nascer no Brasil.  De acompanhar a final Brasil X França a partir dos boletins do piloto em vôo Paris-SP e chegar justo no apito final, em um céu cinzento, triste, com uns poucos rojões de protesto estourando. Das entradas em campo ao som dos hinos nacionais. Nesta edição, graças à tecnologia das imagens das super-câmaras-lentas (?) começo a entender um pouco mais a estética e beleza dos movimentos... Mas a melhor lembrança segue sendo a da última Copa – 2006. Iaiá com 5 anos, Nani com 3. Naquela fase sentava no quarto delas a cada noite para fazê-las dormir, com uma história ou uma canção. “O que vocês querem que eu conte ou cante hoje? Canta o Hino do Brasil, mãe!”. Mesmo depois da Copa, foi a música de ninar por um bom tempo em casa...