sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Me dá um autógrafo?


Nunca vi sentido em pedir um autógrafo.
Já tive sim uma coleção deles. Em papeizinhos brancos, mal recortados à mão, quadrados. Autógrafos de misses: nome escrito com a própria caligrafia. Infantis, desenhados, florzinhas, etc. De todos os estados do país. Foram colados em papéis A4 branco, desalinhados, com uma organização estética qualquer, em uma pasta preta escolar destas com plásticos. Completei como um álbum de figurinhas. Surgiu ao acaso em uma viagem que fiz com a família para conhecer Brasília, acho que com uns 10 anos. Ficamos no famoso Hotel Nacional onde justamente estavam hospedadas as misses eleitas em seus estados e que participariam do concurso nacional para Miss Brasil. Uma sensação, inusitado. Daí sair pelo saguão pedindo os autógrafos para cada uma até completar o mapa do país.
Desde então, nunca vi sentido em pedir autógrafos. Ter escrito à mão, na primeira página de um livro, meu nome, uma frase qualquer - "com amor" - e uma assinatura e data. Dois estranhos, nenhuma relação entre si. "Ah, encontrei o autor em uma palestra! E...?" Mais um leitor desconhecido.
Fato é que assisti mesmo a uma palestra de um autor, uma conversa pública melhor dizendo.  Não sabia nem bem o que esperar da conversa além do que poderia ler no livro, algumas fofocas de sua vida, talvez digressões sobre o ato de escrever. Ouvi, me envolvi, me apaixonei. Vivia um lugar e uma história tão dura e cruel que só pensava em ser cuidadoso e correto a cada passo. Não causar mais danos a nada e a ninguém daquele lugar. Difícil abrir mão de si próprio, escrever foi chave para sair da armadilha. Contos, disse, eram inofensivos. No papel não machucariam nem causariam danos, mesmo que fossem cruéis ou violentos. Experimentava, assim, as possibilidades de ser ele mesmo. 
Acontece que me causou algum dano. Não tinha lido o livro, só ouvido sua história, suas motivações e me causou um dano. E senti que daquela vez queria muito um autógrafo. Tinha uma vontade e uma história para contar para justificar o pedido. Ao final  comprei o livro, mas a fila grande, eu mais um leitor, não esperei, desisti. 
Coincidência, na viagem marcada para dali a alguns dias me dei conta de que haveria uma mesa de conversa com o autor naquela cidade. Livro na mala. Ouvi várias das histórias novamente. Confirmei o dano que houvera. Daquela vez não haveria uma sessão de autógrafo  nem fila. Hesitei muito, ao final fui à frente e à força com meu livro. Contei rápido minha história, sem graça, e pedi o autógrafo. Meu  nome soletrado, um desenho doce, meio  infantil, uma frase pouco legível, a assinatura ao final. Decifrei: "To Andréa, a big hug from the future". Me desculpe, acho que não decifrei.
Na mesma noite, na casa de uma amiga, outra história. Recém numa viagem encontrara um amigo que tinha um livro guardado para ela. Comprara em um sebo na Internet e veio com um autógrafo. Coincidência, mais uma, dirigia-se ao pai dela falecido há poucos anos, acadêmico conhecido. Era uma escrita pessoal que até a mencionava. Por conta do autógrafo, o livro que fora doado junto com as tantas coisas do pai após sua morte, passeou pelo país e retornou ao  lugar de origem. Um autógrafo, mas com sentido, com dedicatória, de verdade.
O meu álbum, a pasta preta com as assinaturas das misses que à época chamei de autógrafos, foram parar em um lugar qualquer, sem importância. Certamente sebo nenhum.
E o meu livro autografado, não sei que rumo tomará.

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